sábado, 27 de agosto de 2011

Maturidade Fantástica

Supostamente para que nos tornemos efetivamente adultos, é necessário que abandonemos as fantasias da infância e passemos a viver a realidade “nua e crua”. Aparentemente sonhar, imaginar, despir-se da realidade de qualquer forma não faz parte do universo dos que objetivam a completa maturidade. Apenas a uns poucos é permitido, e até mesmo necessário, exercer certo grau de imaginação. Desta faz uso a criatividade tão exigida e indispensável aos arquitetos, designers, engenheiros, publicitários e novelistas, pois há nas fantasias destes profissionais uma utilidade muito prática: o lucro. No entanto não se pode exagerar. Aos exagerados são atribuídas alcunhas do tipo “poeta” ou “filósofo”: a esses 'sonhadores' não se atribui muita serventia. Assim ser adulto é, salvo exceções, e com consideráveis limites, encarar com seriedade o mundo tangível, e no máximo crer em Deus, no céu, e no inferno, para não sofrer demasiadamente com um passado injustificado, um presente sem motivos, e um futuro incerto. 
     
Mas não creio que seja realmente assim. “Homem feito” não me desfiz das ficções que preenchiam meus pensamentos de menino. Elas mudaram é claro. Cresceram comigo. Ganharam novas formas. Mas permanecem. Fantásticas e tão frequentes quanto foram outrora. Sou eu um “mal adulto”? Penso que não. Observo que com muitos dos que chegaram a esta fase da vida ocorre semelhante. Exemplo: queremos muitas vezes ter o que não somos. Em tal ansiedade, numa irreprimível vontade, fantasiamos: acertar na loteria, ter o carro do ricaço ou a casa da socialite, receber o salário do futebolista, brilhar na fama da atriz, respirar na vida da personagem da novela, fotografar com a “beleza” das modelos. Em sua quase totalidade a vida é desejada, e não propriamente vivida. Aos poucos acabamos por viver nossas vidas fantasticamente. Diariamente, quer seja pela beleza, pela facilidade, ou pela riqueza, buscamos encontrar naquele “outro” a realidade que não vivemos. Não sem razão o sucesso das revistas que “apresentam” a vida dos famosos. De certo modo ler e ver como vivem as celebridades traz às pessoas alguma sensação de participação em suas vidas caras e luxuosas. Nas páginas, as imagens, os sorrisos, e as poses, apresentam-se como “ingredientes” de uma “receita de vida feliz”. Tudo Isso é mais real que o Papai Noel? Acho que não. 


Mas a fantasia não para por aí. Há também uma ansiedade frequente a qual ao mesmo tempo em que não nos permite viver o “agora”, nos posiciona constantemente num “depois” incerto e nos distrai da realidade vivida naquele instante. Tanto que, amadoramente, analisei e nomeei tal comportamento como BIPEDE. “Busca Incessante Pelo Depois”. Uma fantasia contínua composta por “quandos” e verbos em tempos futuros. Sempre buscando o “quando se concretizará”. Não vivemos a segunda feira, pensamos no “quando chegará a sexta”. Não vivemos nosso trabalho, pensamos no “quando chegará a hora de ir para casa”. São constantes e curtos, mas nem sempre. Há BIPEDEs mensais, anuais e de períodos mais específicos e maiores. Como acontece com o universitário que iniciado no curso, já imagina o “quando” do momento de sua promoção à chefia. Ou nos contratos matrimoniais que preveem a separação já decidindo o “quem ficará com o que” pensando no “quando” do momento do divórcio. Confesso: vivo todas estas fantasias. Não pude evitar e cresci. 


Entretanto, visita-me, com regularidade, umas fantasias que considero oposta à BIPEDE. Elas vêm como ressurreições de “quandos” passados. E neste caso, prefiro não nomear. Comportamentos com nomes costumam ter caráter patológico. Soam como algum tipo de transtorno que após avaliação médica e científica são definidos como “complexo de”, ou “síndrome do”. Assim, não analiso e não pesquiso, apenas sinto. Seu principal fator opõe-se paradoxalmente à ansiedade. Sua substância essência é a saudade. Esta que sem que eu perceba invade. E que me projeta ao mais encantador dos “quandos”: “quando eu era pequeno”. 


Sou então reapresentado à minha infância. Reajusto-me às inocências que me absolvem de punições das quais os adultos não são privados. Não me pesam culpas ou pecados. Temo apenas as incertezas do escuro do quarto. Não me preocupa o futuro. A vida é sempre um presente. E é então que brotam as cores, os sons, os sabores, os perfumes e as vontades. Vejo meu pai deitando o braço do toca-discos sobre o vinil rodando macio. Sinto minha mãe me abraçando carinhosamente no caminho da escola. Ouço minha avó contando “estórias” assustadoras que só ela sabia.  Sinto o gosto do chocolate presenteado pela tia. Sinto a dor no joelho ralado no tombo sobre o asfalto. Divirto-me com as primas que já partiram. Revivo as inúmeras travessuras. Desfaço-me das verdades petrificadas e as transformo em dúvidas. “Como nascem as crianças?”: pergunto. Respiro numa vida repleta de sonhos possíveis e fantasias reais. Não quero “ser quando crescer”, quero apenas permanecer... Neste instante percebo que o ônibus passou do ponto que eu ia descer.